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18 - Horas e Anos

Acerca da dor e da falta de consolo; de se encontrar em meio a nada quando se perde tudo; do teste de fé que recai sobre si mesmo quando só resta um buraco onde se depositar as esperanças


Cruz da madeira de um barril de uísque


18


18 horas (depois)
Bate com igual propósito o meu coração
Àquele com o qual o bom Deus cada oração
Que eu lhe fiz ouviu. Vivo com a sobriedade
Do choque entre os meus lábios quentes e a frialdade
De três pedras de gelo, cheio de uma dor
Que só após uma longa noite ébria de amor
Poderia vir. Diluída num torpor. Constante.
Sentindo que de mim mesmo já fui o bastante.

Sobre tudo derrama-se uma estranha luz.
Sobre a minha cabeça Deus preso em sua cruz,
Mãos atadas, sem ter aonde ir ou o que fazer.
Apático. Ridículo. Nada a dizer.
Indiferente a tudo, o olhar de um peixe morto
Em seu próprio silêncio à deriva e absorto.
Cheio de suas palavras vazias sobre ternura
Nada além de uma face tão fria quanto dura.

Mas permaneço aqui, sob esta luz mortiça.
E enquanto à luz de outrora a alma é submissa
Observam-me as fotografias na parede.
Encaram-me dali, pregadas. Sentem sede
De si mesmas, de mim, de significado...
Faces desconhecidas por todos os lados
Que me assistem, deste espetáculo ridículo
O centro em torno do qual Jesus está... em círculos.
18 anos (antes)
Sobre tudo derramam-se os anos dourados,
Inúteis, sem fim agora que estão acabados,
Acabando comigo ou com o que há de mim,
As últimas gotas como litros sem fim.
Sou um litro por beber já tendo sido bebido,
O gelo que se perde em meio a isto diluído,
A mesma luz por todo o cômodo difusa
Como se entre si as estações estivessem confusas...

Um único copo infinitos pingos soma,
Enquanto um único eu dentro desta redoma
De vidro nada é muito além deste covarde
Cuja euforia líquida derrama-se sem alarde,
Cuja vida na morte do seu amor se afoga,
Cuja morte por uma razão de viver roga,
Cujas rogas ninguém nunca tem ouvido,
Cujo alarde de si mesmo não escolhe ouvidos.

Tal qual garrafa numa caixa adormecida,
Nunca esquecida, a espera do dia em que servida
Será; ou, ainda antes, tal o malte que descansa
Em barris vivemos, destilamos lembranças.
Deixamos frias pegadas neste escuro assoalho.
Levamos coisas da mobília de carvalho.
Quadros nós pomos nas paredes de madeira.
Ouvimos juntos o crepitar da lareira.

Cada peça escolhemos nós dois da mobília,
Mobília para qual não haverá mais família,
Sem propósito; quem as use não mais há
Tal quem meu coração use não mais haverá...
Eis amarela a alvura! encardidas as louças;
Murcha a memória de quando ainda era uma moça
Como uma flor num vaso com álcool em vez de água.
Meus olhos rasos, tudo imerso à mesma mágoa!

Adolfo J. de Lima




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