Seguia, um bolo de carne cozinhando dentro de um saco feito de couro,
pele, que, caso sangrasse dentro desse caldeirão de pirexia, nada seria
se não eu mesmo, a mandíbula aberta num grito mudo, choramingando para
que o vento lufado às lenhas da infecção não me alcançassem com seus
gélidos gládios.
E não pela primeira vez eu ia, com ela, àquele
leito, contudo antes a celebrar o quanto éramos saudáveis - os
solavancos todos pelo caminho, cada um deles, um a um, empurrando,
apressando o meu juízo já manco a lugar nenhum -- À ideia de que a
qualquer momento os ossos da minha caixa craniana irão todos se
desencaixarem uns dos outros, como um corpo estelar que já ultrapassara a
nitiscência, sob o colapso pirogênico do hipotámolo em seu centro.
Meus
olhos ardem. Súbito a minha visão é turva. Rebelou-se, num movimento de
revolução, o humor vítreo em correntes de convecção? Estas lágrimas são
de prostaglandinas?
E enquanto me dissolvia, pois é o que acontece conosco, eu percebi: a febre é algo que te induz a morrer sozinho.
Por
mais que tu queiras ter os entes queridos ao teu lado, qualquer coisa
além da sua inútil presença se torna algo insuportável: o frio infernal
que tu sentes, o frio de quando se sente a vida esvair do corpo, clama
por um fim! e essa necessidade, desejo, tal ao espírito pequeno à terra
prende à carne a enfermidade, e ali a encerra numa agonia que se julga
ser à eternidade.
Contudo a pena é sempre muito justa: pedes pelo
abraço daquele que te vê definhando e compartilha da tua dor, contudo
certas coisas dentre as que há de mal no homem, divididas, se
multiplicam: a febre é um mal grande o bastante para se sentir sozinho,
não é tolerado afeto, nem complacência, onde um fútil abraço não tarda
em tornar o frio em quentura irritante.
Somente um pouco de água e
comida parca, isto é o bastante preso em grilhões de músculos rijos
cuja a menor das forças se torna um imensurável esforço. Não há o que
fazer, a única disposição sentida é aquela para se deitar e esperar...
Definhar e dissolver-se nesta febre que, eu percebi, é algo que te induz
a morrer sozinho.
Adolfo J. de Lima
Créditos da imagem: "Perto do leito de morte (febre)" (MUNCH, Edvard)
Nenhum comentário:
Postar um comentário